terça-feira, 3 de junho de 2008

Entrevista nocturna - Ludivine Sagnier


























Ludivine pode ser vista actualmente nos cinemas no filme de Claude Chabrol, " A rapariga cortada em dois ". Deixo aqui uma entrevista que lhe fiz para a fanzine do Lux.


“Hello Four Seasons!”... “Hello!
Can you put me through room number 2811”...“yes, what’s the
name of the guest?”...

“Ludivine Sagnier”

O amigo que me apresentou a Ludivine avisou-me, uma energia fora de série, um fôlego de cortar a respiração. Foi há nove anos atrás e foi imediato, ficámos amigos. À descrição do meu amigo junto - olhos
que brilham, uma cara de menina e um discurso
adulto. A Ludivine não
tinha medo de nada, era a
força dela.
Quando me preparava para escrever este texto juntei todas as recordações dos
nossos encontros, os nossos percursos. Percebi que tínhamos passado muito tempo, muitas noites acordados a falar, à deriva numa cidade que era nossa, igual aos nossos ideais.
Sim, éramos miúdos,
idealizávamos o mundo.

Lembro-me bem da noite em que invadimos um bar de hotel para cantar músicas do Gainsbourg.

A Ludivine tornou-se uma actriz gigante (na altura já era grande), uma actriz visível. Apanhada por Hollywood, fez um «Peter Pan», o «Swiming Pool» e era a actriz que brilhava mais nas «8 Mulheres» de François Ozon. Nunca perdeu a boa disposição, ria-se quando me dizia que ia ser capa de algumas revistas e falávamos de cinema, sempre de cinema. O tempo passou, a Ludivine foi mãe e agora, tem 28 anos, um filme com Claude Chabrol, outro com Claude Miller e as «As Canções de Amor» de Christophe Honoré. Todos no mesmo ano.Comecei a tentar ligar-lhe para fazer esta entrevista, no telemóvel dela ouvi vozes italianas, no dia seguinte consegui o gravador, fui deixando mensagens. Passado uma semana acordei a minha amiga com quem já não falava há algum tempo, estava no Canadá, jet lag e alegria, mesmo ao acordar. Marcámos uma conversa para o dia seguinte, tentámos respeitar o fuso horário, o tempo universal.Eu queria falar de noites, pedir-lhe recordações,queria a Ludivine Sagnier... Aqui fica uma parte da conversa.

Conta-me as tuas primeiras saídas, os teus primeiros delírios nocturnos?

Devia ter 13 ou 14 anos e ia com um grupo de amigos a Paris ver o «The Rocky Horror Picture Show», vestíamos meias de renda, fazíamos “looks” como as personagens do filme.
Paris para nós era longe,
eu vivia nos arredores. Depois ficávamos a noite toda com o filme, aquela carga erótica ficava connosco, o filme tinha uma carga erótica muito forte, ficávamos bêbados disso... Éramos crianças, aquilo batia-nos com muita força. Na altura também começámos a beber álcool, bebíamos copos à beira do rio Sena, cantávamos e ficávamos a fazer as coreografias do filme.

Mas eras tão novinha...

(gargalhada) Sim, era um bebé... mas sabes as minhas experiências são todas assim, tenho poucas memórias de clubbing, eu tinha ar de menina, a primeira vez que fui aceite numa discoteca tinha 25 anos(risos).

Eu lembro-me, tu gostavas de sítios perigosos, uma vez roubaram-te o
telemóvel...

Sim, mas já me roubaram o telemóvel tantas vezes...

Tinha sido num concerto...

ah! (risos), sim, eu depois tive uma fase em que gostava de ir a concertos rap (risos), ia para os arredores mais longínquos de Paris... era tão nova.

Eu já te conhecia nessa altura, lembro-me dos teus ténis com graffiti, tenho fotografias...

É incrível que fales disso... Estive a olhar para eles antes de vir para Toronto, estava a olhar para os meus sapatos e pensei – estes ténis são mesmo feios. Saber que agora valem uma fortuna na Colette (risos)! Eu tive ténis com graffitis antes de toda a gente e na altura as pessoas gozavam comigo... Mas sabes, as memórias de noites que mais me marcaram foram noites a vaguear. Noites a cantar na rua com 20 anos, corríamos nos cais de Paris, gritávamos. São estas as minhas lembranças de juventude em Paris.

E no filme do Christophe Honoré, como foi a noite em que filmaste a
morte da tua personagem, da Julie?

Nessa noite eu estava num estado secundário, representar a tua própria morte não é coisa simples, os bombeiros que estavam connosco não eram figurantes. Foi uma sequência gigante, comprida, estava deitada no chão, estava imenso frio. Olhos fechados, não me mexia de tão concentrada, estava em estado de hibernação. Depois ouves os bombeiros que chegam e te dizem exactamente o que diriam a uma pessoa que está a ser reanimada. Acreditas! Acreditas no que está a
acontecer, é aí... é deste
sentimento que eu gosto. Quando se está a fazer cinema, existe esta confusão entre a realidade e a ficção. Por isso faço este trabalho. São instantes, nunca é o tempo de um filme, são pequenos momentos, um “take” e deixas de saber quem és. Não é perder a cabeça, não é isso, por exemplo, nas cenas de amor acontece imenso - pensas que te apaixonas e depois corta-se e percebes, volta tudo ao normal! Mas a morte... de repente eu própria tinha medo de morrer. Os bombeiros diziam “perdemos o pulso”. Fui atravessada por muitos sentimentos nessa noite (silêncio).

E as canções, as cenas em que cantas?

Foi como estar numa colónia de férias, as cenas a três no filme foram irreais. A cidade estava deserta, e não por causa do nosso serviço de segurança, nada disso... Não tínhamos meios para essas coisas, as ruas estavam vazias. Tínhamos headphones para fazer o playback das cenas musicais, não podíamos pôr música a tocar na rua a meio da noite. Cantámos os três sozinhos na rua, foram noites de liberdade, era a alegria de estar criar algo!

O que pensas das actrizes que cantam?

Isso enerva muito as pessoas em França... O prazer de cantar está tão ligado ao prazer de representar, são interpretações. A música a
mim faz-me um certo
efeito... é uma extensão do talento. Para mim é
lógico um actor que canta.

Gostavas de gravar um disco?

Vou cantar no álbum do Alex Beaupain (o compositor da banda sonora de «As Canções de Amor»). Sim, tenho vontade.

Conta-me noites em festivais de cinema...

(Ludivine suspira, como que cansada. No momento em que falamos está no Festival de Toronto a fazer promoção para dois filmes).

Como foram as noites de Cannes em 2003, tinhas dois filmes em
competição, na selecção oficial
(«Swimming Pool» de François Ozon e «La Petite Lili» de Claude Miller)?

Nessas noites estava tão bem acompanhada (risos).

E Veneza, noites em Veneza?

Acabei de chegar, estive lá no festival de cinema, a semana passada!
Veneza... Lembro-me, ia a
um jantar, estava sozinha num vaporetto, tinha um vestido de noite lindo e um vaporetto só para mim! Ia do Lido para um palácio no centro de Veneza. Sozinha com as luzes da cidade e as ondas. Era demasiado romantismo para uma pessoa só. Passei em revista todos os homens da minha vida e... Projectei-os todos naquele vaporetto (risos).

E Los Angeles?

Tenho uma recordação dos Golden Globes. As pessoas estavam todas bêbadas, aquelas pessoas, aqueles actores, num hotel que parecia congelado desde os anos 50, uma coisa saloia, antiquada. E eu pensava... não posso telefonar a ninguém, não posso contar isto a
ninguém! Chegas à
conclusão que se está muito bem em Paris!!!

A pressão de um filme ainda te tira o sono?

Sim. Algumas filmagens impedem-me de dormir, perco o sono depois de ter gravado uma cena importante, fico a viver a cena na cabeça, penso em como poderia ter feito as coisas de outra maneira. São os nervos. Mesmo com o tempo, com a prática, continuo a ficar nervosa...

A nossa conversa chega a algumas conclusões, as
noites são mais loucas em
Londres, mas ninguém nos tira Paris. A Ludivine fala-me dos projectos que se seguem, está a filmar a história do bandido Jacques Mesrine ao lado de Vincent Cassel. Custa-lhe acreditar na maneira como as coisas se desencadearam, não é falsa modéstia, é aquela voz de menina entusiasmada com a vida.
Ouve-se um telefone tocar,
vai enfrentar jornalistas o resto do dia no Canadá. Digo-lhe adeus, penso no final da adolescência e no
nosso amigo comum. Com a
música da Jeanne Moreau na cabeça...

“On s'est connus/ On s'est reconnus/ On s'est perdus de vue/ On s'est r'perdus d'vue/ On s'est retrouvés/ On s'est réchauffés/ Puis on s'est séparés/ Chacun pour soi est reparti/ dans l'tourbillon de la vie/ Je l'ai revue un soir/ hàie, hàie, hàie/ Ça fait déjà un
fameux bail” («Le
Tourbillon de la Vie»). Sim, foi mais ou menos assim.

-
Tiago Manaia 

Foto: Jacques Le Corre

Fanzine Blah, blah, blha - Luxfrágil. Outubro 2007

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