terça-feira, 21 de outubro de 2008

Tiga ao telefone de Montreal


Queria começar por lembrar algumas das tuas primeiras vezes...

A tua primeira festa?

Foi na Índia, em Goa. Devia ter 8 ou 9 anos. Era uma espécie de rave na praia, com hippies europeus. Os indianos vendiam cigarros, chá e jogavam às cartas. Era ao pé deles que eu queria estar, eles apostavam dinheiro. Os meus amigos insistiam para que fumasse um charro, mas eu tinha medo.

 E quando é que fumaste o teu primeiro charro?

Muito mais tarde. Foi na época das rave parties em 93. Estávamos num campo de futebol e tive a reacção típica: fartei-me de rir, achei que a relva do campo estava muito verde, que era tudo muito bonito.

 O teu primeiro pecado?

Eu nunca pequei, nunca tenho sentimentos de culpa. Podemos errar, nunca pecar.

 A tua primeira vez em Lisboa?

Foi no Lux, há 6 ou 7 anos. Foi dos primeiros sítios onde toquei na Europa. E não me lembro bem onde dormi...

 A primeira vez que pensaste, “sou um DJ”...

Quando tocas para um grupo de pessoas, já és DJ, mesmo que sejam só 15 miúdos numa cave. Com 18 anos, arranjei um trabalho numa discoteca R&B, estavam fechados durante uma semana e deixaram-me pôr música... Acho que ainda não usava o meu nome. As pessoas que frequentavam a discoteca era as mesmas das noites R&B... E eu só tinha 20 discos de techno pesado. Tive de tocar todas as canções, de todos os discos.

As raparigas de cor vinham gritar comigo, “What are you doing?”

Lembro-me dos 50 dólares que me pagaram e daquelas pessoas todas zangadas comigo... Lembro-me de ter poucos discos!

Mesmo assim adorei.

O feeling de ser DJ, sente-se no final de noite... Quando a discoteca fecha, quando estão a limpar tudo e tu arrumas os teus discos... Quando falas com o empregado do bar sobre a noite, quando recebes o teu dinheiro...

 Que tipo de pessoa eras tu quando andavas no liceu? Eras intelectual ou eras daqueles tipos sexy, muito populares?

(Risos) Era muito parecido com aquilo que sou agora. Era um bocado estranho. Não fazia parte do grupo de pessoas cool. Tinha o cabelo muito comprido, era tímido. Não havia nada em mim que fosse normal: o meu nome não era normal, a minha família não era normal, era muito pequeno e não era bom em educação física! (risos)

Mas o meu sentido de humor foi sempre a minha grande força, e eu era um rapaz engraçado.

 E depois tornaste-te num dos DJs mais conhecidos do mundo.

És um DJ com dinâmica de estrela da pop. A tua imagem é muito forte...

Eu não sinto as coisas assim, mas talvez seja o que se vê de fora. Quando falo com pessoas, quando trabalho, quando faço música, não é essa a minha perspectiva. Para mim a imagem é como uma experiência artística. Imagino as capas dos meus discos como uma criança, como a visão que ela teria de uma estrela. O David Guetta ou o Bob Sinclair... Esses sim, são estrelas.

 Então o Tiga que o público conhece não é uma espécie de personagem que inventaste?

É complicado... Eu acho que é um bocado uma personagem. Para mim a imagem sempre foi uma coisa divertida, de fora talvez pareça que levo as coisas demasiado a sério... Mas só me estou a tentar divertir, tento experimentar coisas com outra identidade.

 Vamos falar do teu primeiro álbum a solo “Sexor” (2006).

Os dois primeiros singles tinham voz: em “You Gonna Want Me” usavas a voz do Jake Shears e, no segundo “ Far From Home” eras tu que cantavas... Acho que depois ficámos todos à espera de te ver cantar durante os teus DJ sets, ou pelo menos que fosses nessa direcção...

Bem... Nos últimos 5 anos, eu tenho pensado nisso todos os dias. A evolução natural das coisas, seria dar concertos. Mas sempre fiquei muito nervoso com essa transição, passar de DJ para cantor. Sinto-me tão confortável na minha posição actual. Ser DJ era o meu sonho de miúdo, eu cresci num mundo de techno, onde ser DJ era o objectivo.

Mas como tu dizias, quando o meu álbum saiu devia ter começado a dar concertos. Se não o fizer agora, vou deixar um vazio qualquer.

Sentes muita pressão exterior?

Sim. Toda a gente, mas mesmo toda a gente. O meu manager, as pessoas que trabalham no meu label, os meus fãs... Mas sabes, a vida é igual para todos... Há coisas que sabes que tens de fazer, mas tens de te obrigar a fazê-las. Com o último álbum eu pensei: vou esperar e ver como o público reage à música, ver o que acontece. Depois tive preguiça e nunca o fiz. Desta vez vai ter de ser.

 E gostaste da resposta que o público deu ao disco?

Sim, muito. Eu não gosto de demasiado “hype” à volta das coisas. Acredito numa reacção justa. Acho que tudo o que fiz até agora foi sempre bem recebido. “Sexor” era um bom álbum, mas não era incrível. A única coisa que me desiludiu, foi o single “You Gonna Want Me” parecia-me ser um hit. Quando o toco em qualquer do mundo, todos sabem a letra de cor. Do ponto de vista comercial, com as vendas, fiquei desiludido.

 Uma vez vi uma entrevista tua num canal de televisão francês, na Pink TV...

Sim, isso foi engraçado.

Dizias que todos os teus ídolos eram gay...

Engraçado, ontem li um artigo, em que se dizia que a homossexualidade era um produto da educação superior. Diziam que sociedades educadas, com muita cultura, tinham uma comunidade homossexual maior. Digo-te isto, porque concordo com a ideia. Quando volto atrás e penso nos poetas, escritores, músicos de quem gosto... Muitos são gay. Nos cinema, adoro o Fassbinder, todos os anos arranjo uma desculpa para voltar a ver os filmes dele. Na música, tenho ouvido Morrissey e como é óbvio os Smiths, são incríveis. Também costumava ouvir muito Marc Almond, mas já o ouvi demais. Eu gosto de pessoas. Seja o Prince ou o Bowie, o que eu gosto é de liberdade.

A imprensa usa o termo metrosexual quando se refere a ti. A palavra metrosexual faz-me ficar na dúvida... O que é que querem realmente dizer com isso... Parece-me que estão justificar qualquer coisa... do género ele é heterossexual, apesar de parecer gay...

Eu não gosto dessa palavra. Faz-me pensar em pessoas como o David Beckham, homens que compram muitos cremes para se tornarem perfeitos...

E tu não és assim...

Não... Nem por isso... Eu não tenho medo daquilo que posso ser ou parecer aos olhos dos outros. Quando olho para mim na capa de um disco, só quero pensar que estou bem. Às vezes isso significa que tenha de estar nu, ou que vista um fato. Mas se és um homem e apareces numa fotografia a usar maquilhagem, é obrigatório, as pessoas têm de dizer qualquer coisa.

 O que é que vai mudar com o próximo álbum?

É a primeira vez que vou falar dele, está praticamente pronto. A grande diferença é que foi escrito como um disco normal. É um álbum muito mais musical, as canções são melhores. As músicas vão na mesma direcção de “Far from Home” e “Good as Gold”.

 Gosto muito das letras que escreves...

Então vais ficar mesmo satisfeito desta vez. (risos)

Elas vão em todas as direcções, é um mundo surreal... Em que te inspiras?

Em temas como “Pleasure Ffrom The Bass”, a letra existe para apoiar a batida e não tem um significado particular. Mas depois existem letras que escrevo a partir de um sentimento específico. Começa sempre com uma frase e algumas palavras. “Far From Home” falava de viagens, tentei captar a coisa sentimental que sentimos quando estamos longe dos nossos amigos. “3 Weeks” é sobre a morte da minha mãe.

Quem são as pessoas que estão a trabalhar contigo no próximo álbum?

Não te vou contar muita coisa... Basicamente são as mesmas pessoas que trabalharam no outro (Soulwax), mais o Gonzales e o James Murphy. Conhecer o Gonzales foi como encontrar um irmão.

Porque é que assinas alguns dos teus trabalhos com o nome Dove?

(Risos) Não tem nada a ver com paz. Começou quando eu era novo, era uma personagem de filme que matava pessoas e deixava na mão das vítimas a fotografia de uma pomba. Devo ter achado que era perigoso e exótico. Mas foram os meus amigos que me começaram a chamar assim. Eu nunca lhes pedi nada, ou talvez tenha pedido... (risos) não tem nada a ver com a realidade.

Fala-me das versões que costumas fazer com músicas de outros artistas. Quem trata das autorizações, tu ou a tua editora? Tens algum contacto com as pessoas que cantam o original?

A maioria delas são feitas sem pedir nada a ninguém, por exemplo a versão de “Hot in Here” do Nelly, foi feita numa perspectiva de fã. A música estava em todo o lado, na televisão, na rádio e eu estava num estúdio... Pensei, vou fazer a minha versão! A vantagem de fazer música quando se é DJ, é que pode ser testada de imediato. O que é uma ideia engraçada à tarde, pode ter uma reacção completamente diferente nas pessoas à noite. É credibilidade instantânea. Mas nunca tive nenhuma reacção do Nelly. Acho que muitos dos tipos do hip hop, nem sequer percebem, devem pensar, quem é este gajo que está ali a cantar a minha canção?

 Depois de tantos anos a viajar pelo mundo, acho que nos podes dar um conselho. Como é que se organiza uma mala de viagem?

(Risos) Essa foi a melhor pergunta que já alguma vez me fizeram. É o que eu sei fazer melhor! Juro! Tenho todo o tipo de bagagens, malas para partir durante um dia, outras para dois ou para uma semana... Tenho de dizer isto às pessoas que pagam para me ver: o dinheiro que ganho é investido em malas de viagem!

Passo muito tempo sozinho, posso perder tempo a pensar nessas coisas. Um conselho: levem sempre as coisas de que gostam com vocês.

É importante ter papel e uma caneta comigo. Há algo de muito inspirador no movimento. É fácil ter ideias num avião, na altitude. Quando se ouve música num avião, existe uma emoção natural. Viajar é a coisa mais mágica que existe no mundo.

 Como é que gostavas de ser lembrado?

Gostava de ser lembrado como o rapaz mais engraçado de sempre... Mas tenho ainda muito trabalho pela frente.

 Queria acabar com uma pergunta que fiz uma vez a Dita Von Tesse...

Ela já esteve no Lux!?

 Sim, várias vezes...

Acho que a falhei por pouco, estive aí pouco tempo depois.

Diz-me então, a banda sonora ideal para um striptease?

É aquela canção do Seal (risos e começa a cantar) “Kiss From a Rose”... I’ve been kissed by a rose... Isto era de um filme...

Sim, acho que era de um Batman...

(Canta) I’ve been kissed by a rose... Isto é a música ideal para um espectáculo de strip. Existem dois tipos de striptease: o muito lento e romântico e, o striptease de festa. Eu gosto do que é mais lento (risos)... Mas é um bocado pessoal.

 Tiago Manaia

Publicado no jornal Luxfrágil, Out 2008

 tiga.ca

myspace.com/officialtiga

Sem comentários: