quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Somos cavaleiros, cavaleiros nocturnos.

Percebi há pouco tempo, que as pessoas que situam a vontade de viver durante a noite, são consideradas “espécie” pela parte de população que se decidiu por um quotidiano diurno.  Estou a falar de moral, não me refiro à disciplina. Porque conheço dezenas de pessoas da noite disciplinadas. Que decidiram mesmo presentear o dia – a–  dia, com alvoradas constantes, ultrapassando o obstáculo que podem ser noites passadas em claro. Vindo assim do escuro, para enfrentar a luz da realidade. Nem que seja somente por uns dias, para mais tarde serem levados novamente para a calma da escuridão.

Existem mesmo seres nocturnos que se adaptaram eternamente às regras do dia. Aos horários impostos. Eles, aceitam a moral daqueles que pensam que a noite não traz nada de útil e convivem com ela. Mas libertam-se quando conseguem. Sabem da magia que o outro lado do dia esconde. Em bancos, consultórios médicos, parlamentos ou teatros de vida inventada. Estamos constantemente rodeados de pessoas da noite que vivem também de dia. E acredito eu, não haver distinção possível – acredito na mistura dos dois. Ou acredito que todos, todos nós tenhamos conhecido pelo menos uma vez o sabor de noites passadas em claro. A reconstruir o mundo, a esquecer mágoas na pista de dança. A procurar soluções no brilho das luzes que se acendem no escuro. Para que não se falhe nesta e na próxima vida.

 

Fui surpreendido quando há pouco tempo, fui tratado de “homem da noite”, por uma senhora que aparenta ter a sua moral bem arrumada. Dentro da cabeça e nos sentimentos que se exprimem através do seu corpo. Percebi que para ela, um tipo como eu era “espécie”. E ser “espécie” não é obrigatoriamente mau, mas deixou-me a pensar. Eu que nunca lhe tinha falado dos poetas magníficos, com quem me cruzei nas minhas batalhas contra o sono. Nem de festas inesquecíveis, dos testemunhos sinceros que nelas encontrei. Se calhar devia tê-lo feito. Como um cartão de visita.

Como podia então surgir na sua cabeça uma expressão que fazia de mim um “homem da noite”?

Na minha aparência diurna, nunca deixei traços de tudo aquilo que já vivi na escuridão. Digo mesmo que as t-shirts com os desenhos mais extraordinários servem o dia, conseguem passar despercebidas nesta uniformização geral do estilo.

A senhora atentava então à minha moral, ao tratar-me de “homem da noite”.

Insinuava vício e sexualidade duvidosa. Uma evidência que a seus olhos me impossibilitaria de equilíbrio. O “homem da noite” na sua boca queria dizer isto. E nada parecido com as melhores festas do mundo, a música que nos cola à pele, a beleza de um sorriso provocado pelo abandono.

Estava a ouvir aquilo de uma pessoa igual a tantas outra e a expressão ficou comigo. Certamente por encontrar nela, aquilo que considero ser uma moral tipicamente Portuguesa. Esta moral que supostamente nos mete todos ao lado um dos outros, mas lá no fundo pensa sobretudo em compartimentar a diferença.

“O homem da noite” intrigou-me. Decido procurar respostas à minha volta, desafio amigos e conhecidos. Bancários, artistas, advogados, jornalistas, críticos de teatro e dança, corretores de bolsa, fotógrafos, estudantes. Peço que me indiquem as diferenças mais significativas, entre as pessoas do dia e da noite. E quase todos se focam na noite. Lembram-se de pequenos detalhes, são cómicos, divagam.

Esquecem-se de falar do dia normal e, focam-se no fascínio que a noite exerce sobre eles. Ninguém me disse odeio a noite. Mas também ninguém me disse gosto do dia.

A noite para todos eles, sugere um sítio onde respiram mais, onde respiram profundamente, mesmo quando não dormem. Onde estão longe da moral comum.

 Os que se lembram de detalhes cómicos, falam-me de beleza e da qualidade da pele que muda. Dizem –me que à noite, os erros de sintaxe nas frases pronunciadas perdem a importância. À noite diz-se sempre “bom dia”! E fala-se mais alto. Uns dizem que falam mesmo de tudo. Outros juram ter de esperar por um pequeno almoço que se repete para revelar algo de especial. Os mais sérios lembram-se de deuses. Tratando assim a questão de forma filosófica. Apolo é o dia, é a civilidade e sobriedade. Dionísio é culpado dos impulsos que se apoderam de nós no escuro.

Dizem-me também que, “à noite se olha sempre duas vezes para a mesma pessoa”. À noite olha-se realmente para quem está ao nosso lado, o medo pode rapidamente transformar-se em desejo. E nesta noite em que muitos encontram loucura outros cultivam calma.

Houve um só amigo que me falou no lusco-fusco, diz que nele encontra a razão. É a única luz que o deixa fazer compromissos com duas realidades .

Sobre as pessoas do dia, guardo esta frase... “É como se fugissem sempre do escuro”. Mas afinal, de que fogem?

Sou um “homem da noite”, aceito o elogio.

Penso qual terá sido o momento em que me tornei num desta “espécie”. Dou voltas à cabeça,  encontro dentro dela uma história esquecida. A noite em que miúdo dormi perto da árvore de natal em minha casa. Tinha estudado possibilidades de fuga, espreitado telhados, medido o tamanho das janelas. Queria experimentar uma dessas discotecas de que se falava. Sabia onde era o Bairro Alto e, sabia que não podia arriscar um salto. Seria fatalmente apanhado. Vesti-me então, agarrei num copo de qualquer coisa. E fiquei a imaginar as luzes da noite até adormecer. Foi perto desse pinheiro, que assinei o meu primeiro pacto com o diabo.

Tiago Manaia

texto publicado no jornal luxfrágil, Novembro 2008.


 

 

 

terça-feira, 28 de outubro de 2008


O jornal do Lux tem um blog. Apanhem-me ali também.


www.blog.luxfragil.com

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Sexo do outro mundo


A nova série de Alan Ball chama-se “True Blood”. É sobre vampiros. Um pretexto para denunciar homofobia, racismo...

 A acção da nova série produzida pelo canal HBO “True Blood” situa-se no estado da Luisiana, em Bon Temps, cidade imaginária. Não muito longe de Nova Orleães, a capital que mostrou ao mundo imagens que se julgavam impossíveis de existir nos EUA- estamos no estado que em 2005 foi atingido pelo furacão Katrina. A acção passa-se nos dias de hoje. E qualquer semelhança com a realidade é pretendida.

Num supermercado à beira da estrada, alguns jovens procuram diversão, invadidos pelo tédio, interrogam um vendedor: querem saber se há vampiros ali. Naquelas paragens pensa-se que os vampiros morreram afogados com as inundações provocadas pelo “Katrina”. “Mas os vampiros não precisam de respirar” - detalhe anunciado logo na primeira cena de “True Blood”. Os vampiros já estão mortos de qualquer maneira. No mesmo supermercado, uma televisão emite imagens de um talk-show onde uma senhora explica que, graças à invenção de um sangue sintético, os vampiros puderam finalmente assumir-se na sociedade dos mortais. Fizeram um “coming out”: saídos agora do caixão, pedem igualdade, os mesmos direitos cívicos dos humanos. Por instantes tem-se a sensação de assistir a um debate do mundo real, como se alguém estivesse a argumentar contra a Proposition 8, proposta que visa mudar a constituição estadual californiana para eliminar o direito de pessoas do mesmo sexo de casarem. O tom com que a representante dos vampiros fala é empenhado, como o dos líderes das grandes causas activistas.

No genérico, entre imagens de seitas religiosas e raparigas que se despem, destaca-se um cartaz luminoso que tem escrito “god hates fangs”. Podia ser um slogan homofóbico. Mas não é. “Fangs” são os caninos afiados; fags é um insulto (“panascas”) contra os homossexuais. Em “True Blood” fala-se de vampiros, mas a alusão é clara – com a diferença combate-se a ignorância. Uma mensagem destinada aos grupos religiosos que excluem os que não encaixam nas interpretações que fizeram das sagradas escrituras. Ainda o genérico de “True Blood” não acabou, já a série se empenha em desafiar o mundo. Isto é só o começo.

Sexual e mortal

Os vampiros exercem na ficção em geral um fascínio inexplicável sobre os humanos. Não se trata somente da atracção pela vida eterna; existe um fascínio sexual. Uma carga erótica tem sido atribuída à dentada vampírica. Todas as ficções deste tipo (“Drácula” de Bram Stoker; os livros de Anne Rice) agarraram essa conotação: quando se é mordido – num acto de quase submissão – passa-se a pertencer àquele que morde, para sempre. O deslumbramento pelos vampiros cresce com esta possibilidade de pertença, uma ideia que as histórias fomentam ao longo dos tempos. Estar ligado a alguém eternamente, viver o amor eterno, arriscar a vida.

Não é a primeira vez que Alan Ball, o homem por detrás de “True Blood” se envolve com a morte. Em “Sete Palmos de Terra”, ele construía uma narrativa à volta de uma família que geria uma agência funerária. Durante quatro anos, público e crítica foram conquistados pelo formato original da série. Era complexo, mas plausível. Captava com perspicácia a incapacidade do mundo moderno face à morte, desmitificando-a.

“True Blood”, não parte de uma ideia original de Ball, que foi buscar inspiração aos contos de Charlaine Harris, autora reconhecida num tipo de literatura onde se mistura o real com o além.

Sookie Stackhouse é a personagem principal da sua série de livros, “Southern Vampire Mysteries”. No pequeno ecrã é a actriz Anna Paquin que lhe dá vida.

Sookie trabalha como empregada num bar, vive bem a sua existência de rapariga rural. A sua grande dificuldade consiste em conviver com o seu poder sobrenatural. Ela é capaz de ouvir os pensamentos das outras pessoas.

A vida de Sookie muda quando conhece Bill (Stephen Moyer). Um vampiro que entra no bar onde trabalha porque se sente sozinho, tenta refugiar-se num copo de sangue sintético. A atracção é imediata, o encontro de Sookie com Bill é acompanhado do lirismo próprio do universo de Ball, tanto comove como faz rir na cena seguinte. “Ele é bonito como um actor num filme da TCM” é o que Sookie diz depois de o conhecer. Os olhares deles convergem na mesma direcção. A virgindade de Sookie é corroída pela presença sexual de Bill. Em “True Blood” os vampiros transpiram sexo, falam muito dele.  E são amantes excepcionais, mas é tabu um mortal assumir uma sexualidade com um vampiro. Os que o fazem, são tratados por “fang bangers” e guardam cicatrizes de dentadas profundas. E desde que os vampiros apareceram em Bon Temps há jovens que aparecem mortas. Sobretudo as que se emanciparam sexualmente - as que tiveram sexo com o outro mundo.

As personagens secundárias destacam-se por vincar ainda mais a mensagem política da série. A melhor amiga de Sookie, afro-americana, diz tudo o que pensa sobre a América racista. Quando se cruza com um vampiro pela primeira vez, pergunta-lhe se, ao longo dos seus quase 200 anos de vida, ele possuiu escravos. Lafayette, cozinheiro homossexual, trafica droga, prostitui-se, afirma que pela cama dele terão passado homens que ninguém imaginaria. É o oposto de David Fisher, de “Sete Palmos de Terra” que vivia a sua homossexualidade com uma relação estável, chegando a adoptar crianças. Nesta nova série, Ball parece querer quebrar todos os padrões de comportamento que criou. Desde que os episódios começaram a ser exibidos no passado dia 7 de Setembro na HBO, ainda não se encontrou nas personagens a mesma complexidade psicológica de “Sete Palmos de Terra”. Ainda é tudo muito estereotipado. Os críticos Americanos não têm sido unânimes no julgamento que fazem ao esforço inovador de Ball. Muitos dizem que não chega. A revista “Time” anunciava com humor, dois dias antes da série estrear, que era necessário pensar de imediato numa transfusão. E o “New York Times” vincava que as mensagens de alusão nos diálogos ao racismo nunca chegavam a ter eficácia do genérico inicial.

Alan Ball disse numa entrevista à HBO que o importante para a sua série depois de estrear era poder ter uma vida própria. Empenhado em fazê-lo e, quatro meses antes de se poder ter uma ideia de como seria realmente um episódio de “True Blood”, a internet já tinha sido invadida.

Num esforço imaginativo, dezenas de vídeos foram postos on-line, com debates sobre a aceitação de vampiros no mundo, sendo possível recolher informações sobre a American Vampire League, conhecer as razões que levam os membros da instituição Fellowship of the Sun a proteger a humanidade de vampiros. Foram feitas campanhas publicitárias para a bebida de sangue sintético (também ela com um “site”). Em Bloodcopy.com, podemos seguir testemunhos inéditos das personagens de “True Blood”. Houve ainda tempo para imaginar campanhas contra a discriminação (iguais às que se fazem contra o racismo) ou anúncios de motéis com caixões disponíveis. “True Blood” tem vida própria, confunde-se com a nossa realidade. Como lembra uma personagem ao longo do primeiro episódio... Saberemos nós o número certo de pessoas que andam por aí a ter sexo com vampiros?

 www.bloodcopy.com


Tiago Manaia

Texto publicado no suplemento do jornal público, ípsilon 17 Outubro 2008.

 

 

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Tiga ao telefone de Montreal


Queria começar por lembrar algumas das tuas primeiras vezes...

A tua primeira festa?

Foi na Índia, em Goa. Devia ter 8 ou 9 anos. Era uma espécie de rave na praia, com hippies europeus. Os indianos vendiam cigarros, chá e jogavam às cartas. Era ao pé deles que eu queria estar, eles apostavam dinheiro. Os meus amigos insistiam para que fumasse um charro, mas eu tinha medo.

 E quando é que fumaste o teu primeiro charro?

Muito mais tarde. Foi na época das rave parties em 93. Estávamos num campo de futebol e tive a reacção típica: fartei-me de rir, achei que a relva do campo estava muito verde, que era tudo muito bonito.

 O teu primeiro pecado?

Eu nunca pequei, nunca tenho sentimentos de culpa. Podemos errar, nunca pecar.

 A tua primeira vez em Lisboa?

Foi no Lux, há 6 ou 7 anos. Foi dos primeiros sítios onde toquei na Europa. E não me lembro bem onde dormi...

 A primeira vez que pensaste, “sou um DJ”...

Quando tocas para um grupo de pessoas, já és DJ, mesmo que sejam só 15 miúdos numa cave. Com 18 anos, arranjei um trabalho numa discoteca R&B, estavam fechados durante uma semana e deixaram-me pôr música... Acho que ainda não usava o meu nome. As pessoas que frequentavam a discoteca era as mesmas das noites R&B... E eu só tinha 20 discos de techno pesado. Tive de tocar todas as canções, de todos os discos.

As raparigas de cor vinham gritar comigo, “What are you doing?”

Lembro-me dos 50 dólares que me pagaram e daquelas pessoas todas zangadas comigo... Lembro-me de ter poucos discos!

Mesmo assim adorei.

O feeling de ser DJ, sente-se no final de noite... Quando a discoteca fecha, quando estão a limpar tudo e tu arrumas os teus discos... Quando falas com o empregado do bar sobre a noite, quando recebes o teu dinheiro...

 Que tipo de pessoa eras tu quando andavas no liceu? Eras intelectual ou eras daqueles tipos sexy, muito populares?

(Risos) Era muito parecido com aquilo que sou agora. Era um bocado estranho. Não fazia parte do grupo de pessoas cool. Tinha o cabelo muito comprido, era tímido. Não havia nada em mim que fosse normal: o meu nome não era normal, a minha família não era normal, era muito pequeno e não era bom em educação física! (risos)

Mas o meu sentido de humor foi sempre a minha grande força, e eu era um rapaz engraçado.

 E depois tornaste-te num dos DJs mais conhecidos do mundo.

És um DJ com dinâmica de estrela da pop. A tua imagem é muito forte...

Eu não sinto as coisas assim, mas talvez seja o que se vê de fora. Quando falo com pessoas, quando trabalho, quando faço música, não é essa a minha perspectiva. Para mim a imagem é como uma experiência artística. Imagino as capas dos meus discos como uma criança, como a visão que ela teria de uma estrela. O David Guetta ou o Bob Sinclair... Esses sim, são estrelas.

 Então o Tiga que o público conhece não é uma espécie de personagem que inventaste?

É complicado... Eu acho que é um bocado uma personagem. Para mim a imagem sempre foi uma coisa divertida, de fora talvez pareça que levo as coisas demasiado a sério... Mas só me estou a tentar divertir, tento experimentar coisas com outra identidade.

 Vamos falar do teu primeiro álbum a solo “Sexor” (2006).

Os dois primeiros singles tinham voz: em “You Gonna Want Me” usavas a voz do Jake Shears e, no segundo “ Far From Home” eras tu que cantavas... Acho que depois ficámos todos à espera de te ver cantar durante os teus DJ sets, ou pelo menos que fosses nessa direcção...

Bem... Nos últimos 5 anos, eu tenho pensado nisso todos os dias. A evolução natural das coisas, seria dar concertos. Mas sempre fiquei muito nervoso com essa transição, passar de DJ para cantor. Sinto-me tão confortável na minha posição actual. Ser DJ era o meu sonho de miúdo, eu cresci num mundo de techno, onde ser DJ era o objectivo.

Mas como tu dizias, quando o meu álbum saiu devia ter começado a dar concertos. Se não o fizer agora, vou deixar um vazio qualquer.

Sentes muita pressão exterior?

Sim. Toda a gente, mas mesmo toda a gente. O meu manager, as pessoas que trabalham no meu label, os meus fãs... Mas sabes, a vida é igual para todos... Há coisas que sabes que tens de fazer, mas tens de te obrigar a fazê-las. Com o último álbum eu pensei: vou esperar e ver como o público reage à música, ver o que acontece. Depois tive preguiça e nunca o fiz. Desta vez vai ter de ser.

 E gostaste da resposta que o público deu ao disco?

Sim, muito. Eu não gosto de demasiado “hype” à volta das coisas. Acredito numa reacção justa. Acho que tudo o que fiz até agora foi sempre bem recebido. “Sexor” era um bom álbum, mas não era incrível. A única coisa que me desiludiu, foi o single “You Gonna Want Me” parecia-me ser um hit. Quando o toco em qualquer do mundo, todos sabem a letra de cor. Do ponto de vista comercial, com as vendas, fiquei desiludido.

 Uma vez vi uma entrevista tua num canal de televisão francês, na Pink TV...

Sim, isso foi engraçado.

Dizias que todos os teus ídolos eram gay...

Engraçado, ontem li um artigo, em que se dizia que a homossexualidade era um produto da educação superior. Diziam que sociedades educadas, com muita cultura, tinham uma comunidade homossexual maior. Digo-te isto, porque concordo com a ideia. Quando volto atrás e penso nos poetas, escritores, músicos de quem gosto... Muitos são gay. Nos cinema, adoro o Fassbinder, todos os anos arranjo uma desculpa para voltar a ver os filmes dele. Na música, tenho ouvido Morrissey e como é óbvio os Smiths, são incríveis. Também costumava ouvir muito Marc Almond, mas já o ouvi demais. Eu gosto de pessoas. Seja o Prince ou o Bowie, o que eu gosto é de liberdade.

A imprensa usa o termo metrosexual quando se refere a ti. A palavra metrosexual faz-me ficar na dúvida... O que é que querem realmente dizer com isso... Parece-me que estão justificar qualquer coisa... do género ele é heterossexual, apesar de parecer gay...

Eu não gosto dessa palavra. Faz-me pensar em pessoas como o David Beckham, homens que compram muitos cremes para se tornarem perfeitos...

E tu não és assim...

Não... Nem por isso... Eu não tenho medo daquilo que posso ser ou parecer aos olhos dos outros. Quando olho para mim na capa de um disco, só quero pensar que estou bem. Às vezes isso significa que tenha de estar nu, ou que vista um fato. Mas se és um homem e apareces numa fotografia a usar maquilhagem, é obrigatório, as pessoas têm de dizer qualquer coisa.

 O que é que vai mudar com o próximo álbum?

É a primeira vez que vou falar dele, está praticamente pronto. A grande diferença é que foi escrito como um disco normal. É um álbum muito mais musical, as canções são melhores. As músicas vão na mesma direcção de “Far from Home” e “Good as Gold”.

 Gosto muito das letras que escreves...

Então vais ficar mesmo satisfeito desta vez. (risos)

Elas vão em todas as direcções, é um mundo surreal... Em que te inspiras?

Em temas como “Pleasure Ffrom The Bass”, a letra existe para apoiar a batida e não tem um significado particular. Mas depois existem letras que escrevo a partir de um sentimento específico. Começa sempre com uma frase e algumas palavras. “Far From Home” falava de viagens, tentei captar a coisa sentimental que sentimos quando estamos longe dos nossos amigos. “3 Weeks” é sobre a morte da minha mãe.

Quem são as pessoas que estão a trabalhar contigo no próximo álbum?

Não te vou contar muita coisa... Basicamente são as mesmas pessoas que trabalharam no outro (Soulwax), mais o Gonzales e o James Murphy. Conhecer o Gonzales foi como encontrar um irmão.

Porque é que assinas alguns dos teus trabalhos com o nome Dove?

(Risos) Não tem nada a ver com paz. Começou quando eu era novo, era uma personagem de filme que matava pessoas e deixava na mão das vítimas a fotografia de uma pomba. Devo ter achado que era perigoso e exótico. Mas foram os meus amigos que me começaram a chamar assim. Eu nunca lhes pedi nada, ou talvez tenha pedido... (risos) não tem nada a ver com a realidade.

Fala-me das versões que costumas fazer com músicas de outros artistas. Quem trata das autorizações, tu ou a tua editora? Tens algum contacto com as pessoas que cantam o original?

A maioria delas são feitas sem pedir nada a ninguém, por exemplo a versão de “Hot in Here” do Nelly, foi feita numa perspectiva de fã. A música estava em todo o lado, na televisão, na rádio e eu estava num estúdio... Pensei, vou fazer a minha versão! A vantagem de fazer música quando se é DJ, é que pode ser testada de imediato. O que é uma ideia engraçada à tarde, pode ter uma reacção completamente diferente nas pessoas à noite. É credibilidade instantânea. Mas nunca tive nenhuma reacção do Nelly. Acho que muitos dos tipos do hip hop, nem sequer percebem, devem pensar, quem é este gajo que está ali a cantar a minha canção?

 Depois de tantos anos a viajar pelo mundo, acho que nos podes dar um conselho. Como é que se organiza uma mala de viagem?

(Risos) Essa foi a melhor pergunta que já alguma vez me fizeram. É o que eu sei fazer melhor! Juro! Tenho todo o tipo de bagagens, malas para partir durante um dia, outras para dois ou para uma semana... Tenho de dizer isto às pessoas que pagam para me ver: o dinheiro que ganho é investido em malas de viagem!

Passo muito tempo sozinho, posso perder tempo a pensar nessas coisas. Um conselho: levem sempre as coisas de que gostam com vocês.

É importante ter papel e uma caneta comigo. Há algo de muito inspirador no movimento. É fácil ter ideias num avião, na altitude. Quando se ouve música num avião, existe uma emoção natural. Viajar é a coisa mais mágica que existe no mundo.

 Como é que gostavas de ser lembrado?

Gostava de ser lembrado como o rapaz mais engraçado de sempre... Mas tenho ainda muito trabalho pela frente.

 Queria acabar com uma pergunta que fiz uma vez a Dita Von Tesse...

Ela já esteve no Lux!?

 Sim, várias vezes...

Acho que a falhei por pouco, estive aí pouco tempo depois.

Diz-me então, a banda sonora ideal para um striptease?

É aquela canção do Seal (risos e começa a cantar) “Kiss From a Rose”... I’ve been kissed by a rose... Isto era de um filme...

Sim, acho que era de um Batman...

(Canta) I’ve been kissed by a rose... Isto é a música ideal para um espectáculo de strip. Existem dois tipos de striptease: o muito lento e romântico e, o striptease de festa. Eu gosto do que é mais lento (risos)... Mas é um bocado pessoal.

 Tiago Manaia

Publicado no jornal Luxfrágil, Out 2008

 tiga.ca

myspace.com/officialtiga

Para o Pedro


Encontrei o teu apelido riscado numa esquina.