quinta-feira, 29 de outubro de 2009

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Coração Aberto

Dash Snow e Dan Colen, best friends forever


A notícia surgiu como surgem grande parte dos rumores neste final de década, via Twitter. No passado dia 24 de Julho, escrevia-se rest in peace
Dash Snow. Assim se anunciava o desaparecimento de um artista explosivo. Tinha 27 anos. Causa de morte: overdose.

Dash Snow era conhecido por muitos, celebrado sobretudo nos circuitos arty, adorado pela imprensa de moda alternativa. A tal imprensa que nunca teme declarar-se aos artistas, mesmo que as suas carreiras ainda estejam em início de combustão.

Dash Snow começou a fotografar aos 13 anos, simplesmente para guardar na memória o que ia acontecendo à sua volta. Mas ele não vivia uma vida normal, o seu quotidiano foi sempre pontuado de ilegalidades, roubos, saídas nocturnas, drogas duras, belas histórias de amor intensas. Adolescente foi um artista graffiti procurado pela policia. Nessa época fundou um conhecido agrupamento de artistas de graffiti, o Irak Crew . É fácil imaginá-lo à deriva nas ruas de Nova Iorque.

Diz-se que cortou cedo com a família, em particular com a sua mãe, pois foi ela quem o colocou num colégio interno extremamente duro, onde terá sido vítima de maus tratos. Numa entrevista à revista Purple Fashion em 2007, Dash falava dos 28 meses que passou num centro de detenção na Geórgia com 13 anos. Conta como se sentiu abusado enquanto esteve fechado e como, aos poucos, se apoderou dele uma vontade de destruição. Ao rematar essas memórias evocava Jean Genet e o livro que este escreverá na prisão, Nossa Senhora das Flores. “Talvez Jean Genet não tivesse escrito o que escreveu, se não tivesse passado pelas coisas que passou” disse.

É fácil fazer um paralelo ao ler isto. As polaroids de Dash Snow transpira(va)m a vida de um ser que viveu no limite, mistura(va)m realidades duras com pequenos pedaços de imaginação e fantasia.

Mais tarde, Dash encontraria a sua verdadeira família artística, dois jovens estudantes de arte. Tornaram-se inseparáveis.O primeiro foi o fotógrafo Ryan McGinley, certamente o mais conhecido do grupo. Ryan fotografa jovens nus, alegres, a correr em paisagens que se perdem de vista. Uma das fotografias mais conhecidas de Ryan McGinley imortaliza Dash no alto de um prédio a fazer um graffiti. Tem Nova Iorque a seus pés. O segundo membro desta família artística é Dan Colen, escultor, com quem Dash fez uma série de instalações chamadas Hamsters Nests. Estas instalações consistiam em recortar dezenas de listas telefónicas aos bocados, espalhá-las num espaço, beber e tomar uma quantidade excessiva de drogas até que ambos começassem a comportar-se como hamsters.

Kathy Grayson foi curadora de uma instalação deste tipo na galeria Deitch Projects, e recorda-se dessas quatro noites com felicidade. Conta que entravam e saíam da galeria centenas de pessoas, por todo o lado havia miúdos a pintar os muros, a misturarem-se com um sem abrigo que ali vivia a convite de Dash. “Ele tinha facilidade de comunicar com todo o tipo de pessoas na rua. Vi-o milhares de vezes dirigir-se a umas quantas verdadeiramente assustadoras. Perguntava-lhes se podia fotografar as tatuagens do gang a que pertenciam, ou os dentes que tinham em falta” contava Grayson ao jornal The Guardian no passado mês de Setembro. “Ele podia ser amigo de toda a gente, menos da polícia”, lembra, “ele não gostava de qualquer tipo de autoridade”. As suas colagens Fuck the police, onde se masturbava para cima de notícias sobre polícias corruptos, eram a prova disso. “Que se fodam... Porque não me vir para cima deles” dizia na sua entrevista à Purple Fashion.

Apesar de ter visto a sua obra reconhecida em determinados circuitos, e de ter exposto em importantes galerias como a Saatchi Gallery, o Whitney Museum ou a Gagosian, o seu trabalho tentou ser desmontado inúmeras vezes. Em parte porque as tribulações da sua vida não encaixa(va)m em nada no molde politicamente correcto da sociedade.

A imagem de Dash Snow foi transformada ao ser abordada pelo jornalismo mainstream. E o mainstream decidiu relativizar os “muros no estômago” que são capazes de dar algumas das suas peças, apoiando-se em factos sensacionalistas. Vingou a ideia de que este punk moderno era também o herdeiro de uma das maiores fortunas da América.

Os De Menil são, de facto, detentores de uma colecção de arte gigantesca com obras de Matisse, Cézanne ou Picasso, e construíram a Capela de Rothko em Houston.

Em 2007 a sua avó Christophe De Menil dizia a uma jornalista da New York Magazine, Ariel Levy, que para escrever sobre o trabalho de Dash Snow, não era preciso associa-lo a um clã com poder. Ao fazê-lo a jornalista insinuava que Snow tinha as “costas quentes”, deitando por terra a imagem de um verdadeiro fura vidas. Tirava, assim, o esplendor da revolução a uma vida cheia dela. Dash vivia em liberdade de uma forma especial, não era um artista rendido ao sistema, era até difícil entrar em contacto com ele. Não tinha telefone. Era preciso procurar os seus amigos para conseguir localizá-lo, contava-se. Mas a jornalista da New York Magazine infiltrou-se no mundo do artista para depois rotular a sua liberdade como um capricho de menino rico.

Aceitar que alguém descreva Dash desta forma é, no fundo, recusar olhar de coração aberto para a sua obra comovente, é tentar aligeirar as convicções que ele tinha contra o sistema. É negar a sinceridade do seu olhar. E negá-la simplesmente porque era um menino rico? Faz isto sentido? Não será isto a maneira mais óbvia de nos rendermos ao cinismo do sistema de castas no qual vivemos? De compactuar com ele?

O jornalista Glen O’Brien ( que esteve à frente da revista Interview) dizia em Julho deste ano no seu blog que tudo isto era um ciclo vicioso: um artista tem de ser famoso para poder viver do seu trabalho, ou então tem de ser rico para poder trabalhar em liberdade. “Só que Dash não era rico” rematava O’Brien, “Dash era o miúdo pobre de uma família rica”. O jornalista denunciava ainda o quanto as pessoas e a imprensa podiam ser previsíveis. Ao morrer com 27 anos, o artista era agora posto num grupo, onde estão artistas que morreram com a mesma idade. “O clube dos 27” chamam-lhes. Jim Morrison, Janis Joplin, Kurt Cobain ou Basquiat. Eram todos um pouco marginais, mas para além disso, para além do óbvio, tinham assim tanta coisa em comum?

O corpo tatuado de Dash Snow, os seus longos cabelos loiros foram infinitamente bem fotografados pelo seu amigo Ryan McGinley. No site da revista Vice, Ryan presta-lhe uma comovente homenagem, lembra-se das noites que passavam juntos, queriam tanto que fossem eternas. Por isso cobriam as janelas dos seus quartos com toalhas, para que durassem mais, para que durassem para sempre.

O mundo neste final de década é o espírito e a luta de Dash Snow. Um misto de alegria com desespero. De drogas que se tomam, para avivar a vida que se quer extraordinária e intensa a cada segundo, para acalmar uma dor que não se cura. Ele tinha coisas para nos dizer. As imagens ficam, o espírito também. A bela rebeldia. Só não percebeu quem é cego.

Ele era um anjo.

Texto publicado na revista Obscena 21

http://www.purple-diary.com/search/dash+snow/

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

gênio

Tento fazer isto todos os dias.

Per View, livro sobre o Pestana Palace Hotel


Livro com fotografias de Cátia Castel-Branco.
Os textos são meus.
(excerto)
A vida em modo ficção

O meu coração muda de ritmo apenas em circunstâncias específicas. Dentro dele o “extraordinário” é associado a momentos em que a realidade se aproxima da ficção. A mesma ficção que alimenta histórias de cinema e literatura, a ficção que, por vezes, se apodera da vida.
São pequenos instantes capazes de nos transportar, e graças aos quais o corpo se consegue projectar em personagens magníficos, protagonistas sem limites. As pessoas que vivem momentos assim deixam certamente que uma parte de loucura se apodere da sua razão, mas contornam a rotina com sonhos. Pautam o dia-a-dia com fantasias. Existem obviamente lugares com místicas propícias para que estas situações possam acontecer. Os hotéis são territórios de excelência. Lugares de passagem, lugares em que pessoas de mundos distintos se cruzam, transitam e se encontram. Os hotéis onde se iniciam casamentos e onde o tempo é esquecido numa tentativa de fazer restart. Hotéis que abrigam escritores, estrelas de rock ou líderes políticos. Hotéis que evocam histórias de amor, paixões secretas, e que deixarão para sempre actrizes a deambular nos seus corredores. A mística dos hotéis faz parte do inconsciente de todos. Foram muito romanceados, imortalizados vezes sem conta pela cultura moderna. O que acontece se juntarmos a um hotel a magia de um palácio? Os palácios que nos acompanham desde o tempo dos contos, e que visitamos sem conseguir desmitificar. Palácios que associamos a reis, a príncipes e princesas, à nobreza, às festas, ao glamour. Palácios de salas que se ligam umas nas outras num sem-fim de possibilidades. Entrar no Pestana Palace Hotel é deixar que uma espécie de equação matemática infalível se apodere da realidade. Entrar aqui é assinar um pacto com a ficção.