É comum estar encostado ao bar e ouvir todo o tipo de desabafos femininos, alguns deles de tal maneira ferozes que merecem ser repetidos em voz alta.
Sabem aquelas frases que ouvimos, aquelas que nos interpelam, nos fazem virar a cabeça? Aquelas que acabamos por repetir a nós próprios (em voz alta quando a bebida já escorrega na mão), porque parecem não ser desta realidade. Frases que surgem com a força de um diálogo de filme, de uma tirada de uma peça de teatro, de momentos que não podem ser desta vida.
Acontece-me isto quando oiço as mulheres a pôr em causa os homens de maneira machista. É bom ouvir. São feitos chacota, com a revolução sexual ultrapassada, transformada em humor corrosivo, em conversa de ocasião ou desabafo público. Tudo o que vem à cabeça pode ser dito e ainda bem.
Tenho um carinho especial por estes momentos de vida pois imitam a ficção, imitam as histórias que retratam o mundo moderno.
As conversas de rapazes, essas, no mundo ficcional são desenhadas com grandes clichés de virilidade. Agarro-me como é óbvio a exemplos visíveis, não me agarro à excepção, mas sim à regra. O James Bond sem qualquer lágrima aparente no canto do olho, o rapper que se inventou em videoclips rodeado de bailarinas feitas putas, o desportista célebre que expõe conquistas amorosas adornadas por um Ferrari (esta é real, mas parece ficção). Foi esta virilidade que desbotou para o quotidiano. Ao contrário do exemplo feminino, os homens foram tramados pela ficção.
Assim perderam o direito de ser sensível, o direito de ser frágil, o direito de ter receio. Heterossexual, metrosexual ou homossexual, a figura masculina quando é vendida às massas não tem sentimentos aparentes.
Isto começou a trabalhar-me a cabeça há algum tempo, durante o qual fui testemunha de inúmeros desabafos. Ouvi, do lado masculino, coisas parecidas com “a solidão é a única opção viável”, “antes isso do que mostrar fraquezas”, “é uma postura que temos de manter”. A sensibilidade deixou de ser uma opção falível no género que se espera para um homem nos dias de hoje.
(Leitoras femininas antes de me crucificarem o pensamento, leiam por favor este lado da questão).
Digo, para quem não pensa nisto, que também custa a um rapaz perder-se nos infortúnios do amor. Custa aquela aproximação do desconhecido, custa quando sente o chão a fugir-lhe dos pés, custa desiludir a imagem preconcebida de que um homem ao perder o controlo é menos homem por isso. O ser reduzido à igualdade humanamente verdadeira, é desiludir o mundo da ficção com que somos bombardeados. É desiludir o papel que nos é exigido. E se for uma leitora, responda por favor à minha questão: quantas vezes já convidou um rapaz para dançar? Assim directamente, “queres dançar comigo?”
(se por acaso faz parte do grupo de raparigas que o fizeram, parabéns, pois tem um número infinito de julgamentos à sua espera. Saiba também: secretamente, todos a acham corajosa).
E se for um leitor, faça a pergunta em prol da (in)justiça: “porque é que nunca ninguém me convidou para dançar?”
Por causa disto conheço rapazes que ficaram ano e meio sem dar um beijo, outros tantos que se apavoraram na ideia de começar uma relação. Não porque tenham tido medo, simplesmente porque não se sentiram impostores suficientes para vestir a pele de homens imunes.
Os rapazes românticos derreteram, arderam de fácil combustão. O fumo desse desaparecimento só é visível à noite, na contra-luz que torna o fumo transparente. É no escuro da discoteca que se revelam desabafos, vêem-se olhares contrariados com as regras do mundo.
Não sei se existem culpas, não sei se pode apostar num culpado.
Isto não é nenhuma guerra de sexos, está para além disso tudo. Pode até ter sido o próprio homem a fechar-se na sua imagem de virilidade - de solidão destemida. Não sei se foi alguém que queimou para sempre o romantismo masculino. Sei que se tornou excepção: na música, no cinema, no excesso da discoteca. Mas quando se percorrem as noites, sente-se que entre nós andam rapazes a deixar sinais de sentimento. E até a ficção tem dado voz a anti-heróis deste género. Mesmo que sejam menos visíveis, desconhecidos na maioria, existem alguns protagonistas de histórias que vacilam como nós homens desta vida, alguns rappers que desabafam coração partido, alguns futebolistas que deixam o Ferrari e seguem outras vias. Confessando então sentimento sem pudor, contraria-se o ideal de homem moderno e descobrem-se poetas, como os que livros guardaram e mantiveram vivos. E as vozes que se ouvem, não são confissões momentâneas, são sinais do tempo que muda.
Esses rapazes que assumem ter o coração aberto tentam tingir a realidade, deixar de lado a aparência de homens intocáveis de outros tempos.
Talvez não tenham derretido os rapazes românticos. Só ainda não encontraram maneira de se apoderar da ficção, que baralhou as nossas conversas para sempre.
texto publicado no jornal do Luxfrágil.
www.blog.luxfragil.com
Sabem aquelas frases que ouvimos, aquelas que nos interpelam, nos fazem virar a cabeça? Aquelas que acabamos por repetir a nós próprios (em voz alta quando a bebida já escorrega na mão), porque parecem não ser desta realidade. Frases que surgem com a força de um diálogo de filme, de uma tirada de uma peça de teatro, de momentos que não podem ser desta vida.
Acontece-me isto quando oiço as mulheres a pôr em causa os homens de maneira machista. É bom ouvir. São feitos chacota, com a revolução sexual ultrapassada, transformada em humor corrosivo, em conversa de ocasião ou desabafo público. Tudo o que vem à cabeça pode ser dito e ainda bem.
Tenho um carinho especial por estes momentos de vida pois imitam a ficção, imitam as histórias que retratam o mundo moderno.
As conversas de rapazes, essas, no mundo ficcional são desenhadas com grandes clichés de virilidade. Agarro-me como é óbvio a exemplos visíveis, não me agarro à excepção, mas sim à regra. O James Bond sem qualquer lágrima aparente no canto do olho, o rapper que se inventou em videoclips rodeado de bailarinas feitas putas, o desportista célebre que expõe conquistas amorosas adornadas por um Ferrari (esta é real, mas parece ficção). Foi esta virilidade que desbotou para o quotidiano. Ao contrário do exemplo feminino, os homens foram tramados pela ficção.
Assim perderam o direito de ser sensível, o direito de ser frágil, o direito de ter receio. Heterossexual, metrosexual ou homossexual, a figura masculina quando é vendida às massas não tem sentimentos aparentes.
Isto começou a trabalhar-me a cabeça há algum tempo, durante o qual fui testemunha de inúmeros desabafos. Ouvi, do lado masculino, coisas parecidas com “a solidão é a única opção viável”, “antes isso do que mostrar fraquezas”, “é uma postura que temos de manter”. A sensibilidade deixou de ser uma opção falível no género que se espera para um homem nos dias de hoje.
(Leitoras femininas antes de me crucificarem o pensamento, leiam por favor este lado da questão).
Digo, para quem não pensa nisto, que também custa a um rapaz perder-se nos infortúnios do amor. Custa aquela aproximação do desconhecido, custa quando sente o chão a fugir-lhe dos pés, custa desiludir a imagem preconcebida de que um homem ao perder o controlo é menos homem por isso. O ser reduzido à igualdade humanamente verdadeira, é desiludir o mundo da ficção com que somos bombardeados. É desiludir o papel que nos é exigido. E se for uma leitora, responda por favor à minha questão: quantas vezes já convidou um rapaz para dançar? Assim directamente, “queres dançar comigo?”
(se por acaso faz parte do grupo de raparigas que o fizeram, parabéns, pois tem um número infinito de julgamentos à sua espera. Saiba também: secretamente, todos a acham corajosa).
E se for um leitor, faça a pergunta em prol da (in)justiça: “porque é que nunca ninguém me convidou para dançar?”
Por causa disto conheço rapazes que ficaram ano e meio sem dar um beijo, outros tantos que se apavoraram na ideia de começar uma relação. Não porque tenham tido medo, simplesmente porque não se sentiram impostores suficientes para vestir a pele de homens imunes.
Os rapazes românticos derreteram, arderam de fácil combustão. O fumo desse desaparecimento só é visível à noite, na contra-luz que torna o fumo transparente. É no escuro da discoteca que se revelam desabafos, vêem-se olhares contrariados com as regras do mundo.
Não sei se existem culpas, não sei se pode apostar num culpado.
Isto não é nenhuma guerra de sexos, está para além disso tudo. Pode até ter sido o próprio homem a fechar-se na sua imagem de virilidade - de solidão destemida. Não sei se foi alguém que queimou para sempre o romantismo masculino. Sei que se tornou excepção: na música, no cinema, no excesso da discoteca. Mas quando se percorrem as noites, sente-se que entre nós andam rapazes a deixar sinais de sentimento. E até a ficção tem dado voz a anti-heróis deste género. Mesmo que sejam menos visíveis, desconhecidos na maioria, existem alguns protagonistas de histórias que vacilam como nós homens desta vida, alguns rappers que desabafam coração partido, alguns futebolistas que deixam o Ferrari e seguem outras vias. Confessando então sentimento sem pudor, contraria-se o ideal de homem moderno e descobrem-se poetas, como os que livros guardaram e mantiveram vivos. E as vozes que se ouvem, não são confissões momentâneas, são sinais do tempo que muda.
Esses rapazes que assumem ter o coração aberto tentam tingir a realidade, deixar de lado a aparência de homens intocáveis de outros tempos.
Talvez não tenham derretido os rapazes românticos. Só ainda não encontraram maneira de se apoderar da ficção, que baralhou as nossas conversas para sempre.
texto publicado no jornal do Luxfrágil.
www.blog.luxfragil.com
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