quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Del Marquis, entrevista






















Del Marquis, assim se chama o guitarrista dos Scissor Sisters .

Aqui fica uma entrevista feita ao telefone para o jornal do Lux.

São dez da manhã em Nova Iorque, mais cinco em Lisboa, Barack Obama acabou de ser eleito.




Como é que te devo chamar, Derek ou Del Marquis (nome de cena)?

Podes tratar-me por Del…

Como estás?

Estou bem, estou a acordar.

Onde estás? Em casa?

Sim, estou nas escadas de minha casa, na rua. Está calor, apesar de estarmos em Novembro.

Acredito que tenhas estado a festejar a vitória do Obama, nos dois últimos dias?

Sim, mais ou menos, é incrível… Foi incrível, as ruas onde vivo em Brooklyn ficaram cheias… Cheias de pessoas a gritar e a festejar… Houve tanta euforia. Mas infelizmente nos dias que seguiram a eleição de Obama, surgiram notícias de que em três estados americanos (Florida, Arizona, Arkansas) uma lei para proibir a união de pessoas do mesmo sexo tinha passado… Por isso foi uma vitória com sabor amargo.

Mas as pessoas estavam distraídas com as eleições, pouco se falou desses “referendos”…

Talvez não tenham tido a atenção necessária, mas para mim é muito importante. Imagino que com um presidente como o Obama este passo seja rapidamente remediado… E tudo isto será risível daqui a uns anos. Como eram os direitos civis dos afro–americanos há não muito tempo.

O que farias tu à Sarah Palin?

Não sei! Se o McCain e a Palin tivessem sido eleitos, sabia exactamente o que nos ia acontecer. Íamos de “patins para o inferno”… Tínhamos de nos preparar para o apocalipse (risos). Vivemos realmente uma época de mudança, mas podia ter descarrilado em qualquer um dos sentidos.

Estarias pronto para deixar a América?

Não. Eu não iria deixar a América, estaria pronto para viver no apocalipse!

Vamos falar do teu projecto… Estás a preparar-te para lançar um projecto a solo, sem os Scissor Sisters…

Sim. Passei uma parte do ano a trabalhar num álbum. Gravei músicas um bocado em toda a parte, na Europa e em Nova Iorque. Foi fantástico! Foi um processo de trabalho tão diferente daquele que tenho com os Scissor Sisters! Tenho imenso orgulho. Vai ser editado um primeiro EP agora em Dezembro… Espero que as pessoas o oiçam.

Quantas músicas tens?

Devo ter gravado umas 20. Vou pôr três ou quatro canções para cada EP e lanço vários no próximo ano, juntando-lhes remixes e vídeo.

Porque é que escolhes editar as tuas músicas nesse formato de EP?Achas que as pessoas já não compram um álbum inteiro? É uma maneira de fazer face à crise da indústria discográfica?

Existem várias razões. Não sei se quero admitir essa que acabaste de referir. Parecem-me existir demasiados estilos nas minhas canções. O EP foi a maneira que encontrei para concentrar temáticas, dei um tema diferente a cada um deles. É interessante pensar nestes discos como episódios… É difícil lançar um álbum sozinho e sou eu quem está por trás de tudo… Imagina… Lança-se tudo num só álbum, se não tiver uma boa resposta, acaba ali. Vou poder fazer de cada EP um acontecimento.

Qual é o tema do EP, que vai ser lançado agora?

O primeiro segue a linha da canção“Hothouse”. A letra fala da raiva que senti relativamente à administração de Bush, como os direitos dos homossexuais e lésbicas eram usados como ferramentas de divisão durante o seu mandato. Neste primeiro disco as músicas são todas muito melódicas.

Começamos por ouvir crianças dizer “liberdade de expressão”…

Sim, é pela liberdade, era importante para mim, são os filhos de um amigo que apareceram no meu estúdio de gravação… Foi um acaso feliz.

E de onde surge a vontade de assumir um projecto sozinho?

Eu senti essa necessidade. Nos Scissor Sisters sou guitarrista, toco guitarra, não canto. Mas tenho muitas ideias, escrevo muita música. Por isso tinha de acontecer.

Com os Scissor Sisters tentaste alguma vez cantar?

(risos) Oh sim, tentei… Mas eles tiraram-me o microfone… Eu queria cantar… (risos) e eles preferiam ver-me a correr de um lado para o outro em cima do palco, não me queriam perto do microfone! Eu não gosto de me sentir preso a nada… Ainda não sei se gostava de ser o líder de uma banda. Nos Scissor posso esconder-me por detrás da minha guitarra.

As pessoas descrevem-te como o membro mais tímido da banda, mesmo assim, tens uma presença forte em palco… tens consciência disso?

Eu faço parte de uma banda, que tem algumas das personalidades com maior presença em palco NO MUNDO! (risos) Qualquer pessoa ao lado deles fica transparente… é verdade! Mas eu sinto-me feliz com eles.

Contas com colaborações em algumas canções… Quem são?

São pessoas que conheci em festivais de música. Quando andas em digressão acabas por conhecer imensa de gente que se cruza inúmeras vezes em cidades diferentes… Foi assim que conheci a Vula que canta com os Basement Jaxx. A Joan (Joan as Police Woman) já a conhecia há imenso tempo. Dividimos casa quando comecei a trabalhar com os Scissor. Foi ela quem me ensinou as regras de sobrevivência no meio.

A nossa conversa é cortada, porque descubro um problema no suporte que grava a entrevista. Volto a ligar para Del Marquis e não nos conseguimos ouvir durante um longo momento…

Estás a ouvir-me?

Sabes que a frase “estás a ouvir-me”, é usada em quase todas as conversas telefónicas (risos).

As tuas letras parecem ser emotivas…

Bem, eu nunca tinha escrito letras, compunha somente música e estava sempre a cantar coisas escritas por outros. Foi difícil escrever letras, tentar perceber se aquilo que ficava escrito não era um enorme cliché.

Dizias que a Joan te deu alguns conselhos quando entraste no mundo da música… O que é que fazias antes de te juntares aos Scissor Sisters?

Estudava design de móveis, numa escola chamada Parsons, trabalhava comodesigner… Eu já tocava guitarra, mas era uma coisa que fazia em casa. Nunca tinha tentado estar numa banda pop, não fazia audições. Gostava de design, aquilo parecia ser o meu caminho…

(ouve-se o barulho de uma ambulância, logo de seguida um alarme de automóvel dispara… Del Marquis deixou as escadas do seu prédio e caminha agora em Brooklyn)

… A música para mim era um sonho, não era uma coisa possível. (o alarme de automóvel torna-se ensurdecedor, obriga-nos a um minuto de silêncio)

Desculpa, temos alarmes de carro a disparar e ambulâncias a passar (o alarme pára de tocar) isto vai dar uma óptima “colagem” para a tua entrevista (risos).

A primeira vez que te vi com os Scissor Sisters foi numa sala minúscula em Paris… Era uma cave?

Sim, depois voltei a ver-vos no Wembley Arena, já vocês tinham lançado o segundo álbum. Uns meses depois, aqui em Lisboa, o vosso concerto estava cheio de secretárias loucas, gritavam as vossas canções! Era suposto vocês terem-se tornado num fenómeno tão mainstream? O sucesso não muda tudo?

É óbvio que o sucesso muda tudo! Mas não existe nenhuma regra que impeça o alternativo de ser popular. Nós não queríamos fazer parte de um nicho, ser sempre marginais. Queríamos ser a melhor e, a maior banda – era essa a nossa intenção! (risos) E as músicas eram demasiado boas, demasiado pop para serem ignoradas. Claro que, quando te tornas numa banda popular, perdes pessoas no caminho. Deixas de ver aqueles que vinham aos concertos pequenos… porque já não podem pagar bilhetes àquele preço, ou simplesmente porque já não nos querem ver. Porque nos tinham descoberto em primeiro lugar… “é um pau de dois bicos”. Tentas atingir o maior número de pessoas, e perdes outras tantas pelo caminho.

Li que odiaste o primeiro concerto que viste dos Scissor Sisters. Ainda antes de fazeres parte da banda…

Bem… Odiar é a expressão dramática para a coisa! Não gostei deles. Julguei-os como provavelmente todas as pessoas julgam aquilo que é novo. Não gostei, talvez por causa do playback. Mas depois mudei de perspectivas, descobri algo de especial na banda. As pessoas envolvidas são especiais, as músicas também. Tudo o que vem da nossa banda tem um mérito, é uma banda realmente interessante. Teria cometido o erro da minha vida se tivesse recusado trabalhar com eles (risos). Jesus!

Em adolescente, eras groupie de guitarristas importantes?

Sim era… Mas não éramos todos? A música excitava-me… Eu era o tipo de adolescente que para além do álbum, procurava edições de coleccionador das coisas. Tentava ficar na primeira fila dos concertos para saltar em seguida para o palco, apanhar a set list. Era o que eu fazia. Se tivesse sorte, ficava até mais tarde e tentava conhecer as pessoas que faziam parte da banda. Os músicos significavam tanto para mim!

E agora: tens groupies?

Aqui no perímetro de Nova Iorque talvez tenha uns quantos. Mas são todos muito simpáticos, educados e inteligentes. Tenho sempre um plano na cabeça para fugir se forem muito estranhos. É diferente alguém que olha para ti e tenta queimar um buraco na tua alma, e alguém que vem ter contigo e te diz “obrigado, adorei o teu concerto - gosto da tua música”.

Lembras-te quando começou a tua atracção pelas guitarras?

Foi na altura em que tinha uma obsessão por objectos, foi por isso que comecei a desenhar… Tinha um fetiche por objectos. Lembro-me de pensar que as guitarras eram estupendamente bonitas. Gosto de música e gosto de objectos. Pensei… Deixa-me então tocar nesta coisa fálica, bonita e brilhante… Capaz de fazer muito barulho.

Lembras-te da tua primeira saída?

Em meados dos anos noventa falsificava-se o bilhete de identidade para sair à noite em Nova Iorque. Devia ter 16 ou 17 e fui a um bar quente e suado… Muito gay. Entrei e fiquei estupefacto, estava extremamente cheio, eu não estava preparado para uma experiência assim. Tive de fugir.

Mas já sabias que eras gay?

Sim, tinha feito o meu coming out adolescente, com 15 anos.

Explica-me o teu fascínio por calças de toureiro?

Existe qualquer coisa na estrutura, todas aquelas calças têm uma parte dura quase como um corpete. Faz com que fiques direito, de cabeça erguida. Cria uma silhueta bonita. E não é segredo nenhum, sou fã do Prince. Não só da música, também das suas roupas. Fui buscar elementos às pessoas que admiro.

Acabo com um assunto pessoal… Conta-me o teu primeiro beijo.

Meu Deus! Foi com um rapaz chamado Sérgio, eu tinha 17 anos. Foi em Roma… Mesmo em frente ao Castel Sant’Angelo.

entrevista publicada no jornal lux frágil, Dezembro 2008