quarta-feira, 3 de setembro de 2008

As imagens de Slimane



Glamorous Indie Rock & Roll

 

No verão de 2007 durante o festival de música de Benicàssim, em Espanha, Hedi Silmane seguiu fãs e protagonistas da nova cena musical alternativa. Gritos, jovens exaltados e imagens de ícones como Amy Winehouse são agora reunidos numa mostra e em três livros.

Hedi Slimane diz, esforça-se e vinca nas entrevistas que se sucedem na imprensa internacional que nunca pensou seguir o caminho da moda, mas foi através dela e das silhuetas que criou, primeiro para a Yves Saint Laurent e depois para a Dior Homme que o seu nome se tornou célebre. Numa tentativa de encontrar a beleza em proporções quase matemáticas, reinventou a silhueta masculina. Um ano e meio depois de ter abandonado definitivamente o ateliê da Dior e temporariamente as passerelles de moda, as proporções inventadas por Slimane continuam a ser copiadas pelas principais marcas de prét- à- porter.

Era quase uma criança quando comprou a primeira máquina fotográfica. Não gostava de escrever, por isso fotografava o mundo. Em 2005 era óbvio, Slimane inspirava-se na cena rock alternativa para criar roupa e uma atitude nova, vestia estrelas confirmadas como David Bowie, fotografava jovens em plena explosão, como os membros do grupo Razorlight que transportavam a sua moda para a rua. Um fenómeno. Tinha tudo de um incêndio, a rapidez com que o mundo consumia as suas visões de estilo.

Todos os meses e com a ajuda de Alex Needham (editor da cultura do jornal britânico The Guardian e cronista no New Musical Express), escolhia uma banda emergente nos pubs de Londres. Fotografava concertos e público, as fotografias passaram a ser publicadas mensalmente na revista Americana V.: chamavam-lhes Rock Diary, mostraram o nascimento dos Artic Monkeys, The Rakes ou The Paddingtons.

O que terá levado Slimane a escolher o novo Rock?

O artista explicou a sua escolha, comparando-a ao mundo depois do 11 de Setembro: “o virtual da música electrónica tornou-se absurdo, era necessário improvisar novamente, encontrar uma forma de humanizar (...) Nasceu uma espécie de estética da imperfeição, por isso o regresso do rock, dos discos gravados em estúdio sem qualquer tipo de retoque” anunciava ao Le Monde, era tempo de desconstruir.

 

Uma estética que se tornou ética

O Musac, Museuo de Arte Contemporáneo de Castilla y León, encomendou e Hedi Slimane misturou-se durante quatro dias com a multidão que assiste todos os anos, a um dos festivais de música mais importantes da Europa, o festival de Benicàssim, fotografando o seu ambiente apocalíptico: jovens –é óbvia a mimesis com os ídolos - exaltados, exaustos, com sorrisos metálicos de aparelhos dentários, com t-shirts, sem t-shirts e com tatuagens. O lixo que se acumula no chão no final de cada noite, o fumo que sai do palco e, sobretudo, os bastidores aos quais Slimane teve acesso, estão nas fotografias. Amy Winehouse de costas, ou Lovefoxx, a vocalista dos Cansei de Ser Sexy, a dançar, parecem-se com qualquer um dos adolescentes que vibram a assistir aos concertos de Benicàssim. Tocam-se na aparência e comunicam através da música.

É ela que guia os sentimentos ali vividos. Para a maioria, não existe verão sem um festival de música como as fotografias de Slimane não existem sem jovens.

A acompanhar a exposição que pode ser vista até dia 7 de Setembro no Musac, foram editados três livros: um com as imagens de Benicàssim, outro com imagens do passado -Pete Doherty, Courtney Love ou Beck- realçando a ideia de que Slimane se debruça sobre o Rock há já alguns anos, e um terceiro com textos, onde o trabalho de Slimane é defendido de forma inteligente. Nele, Jon Savage, autor do livro Teenage-  The Creation of Youth Culture, descreve os fãs ao longo da história, Alex Needham, cúmplice dos Rock Diary aborda as influências existentes nas suas fotografias: Pennie Smith que fotografou a capa de “London Calling” dos Clash ou Anton Corbijn, realizador do filme “Control”. Vince Aletti jornalista da Rolling Stone e crítico de fotografia diz que talvez Slimane não seja aquilo que Cornell Capa chamaria um fotógrafo com preocupações (concerned photographer), mas Capa descrevia certamente a sua prática quando dizia que “o papel de um fotógrafo é o de testemunhar e estar envolvido com o seu assunto”.

O comissário da exposição Agustín Perez Rubio fala da aura que imana das imagens de Slimane, da identificação que elas provocam no espectador; para Rubio, Slimane tem uma visão própria, mantendo-se fiel à sua estética, sem seguir tendências, tem um ponto de vista: é um artista para quem a estética se tornou ética.

Glamourous Indie Rock & Roll é uma faixa dos The Killers, gravada em 2004. Fala de o aparecimento de um novo som, de uma cena emergente. Na época pressentiam que ia conquistar o mundo. Juravam que vinha da alma. Tinham razão, está a acontecer, agora.

 

Tiago Manaia

Julho 2008

Texto publicado na revista L + Arte, Agosto 2008

 

Rock Diary de Hedi Slimane, editado pela JRPINGIER e MUSAC